ECA 35 anos: autoridades apontam desafios para o pleno cumprimento

O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, completou 35 anos neste último domingo, dia 13. Sancionada em 1990, a lei foi um marco na proteção de pessoas com menos de 18 anos, garantindo direitos como acesso à saúde, educação, lazer, cultura e profissionalização, no caso dos adolescentes.
Mas o ECA também estabelece os deveres desse público, como respeitar os pais ou responsáveis, os professores, frequentar a escola, preservar espaços públicos e o meio ambiente. E no caso daqueles que cometem delitos, estão previstas as medidas socioeducativas. Que como o próprio nome diz, não têm caráter meramente repressivo, mas de reeducar, mesmo nos casos mais graves, que exigem internação.
O diretor de proteção da Criança e do Adolescentes do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Fábio Meirelles, destaca que as políticas públicas dirigidas às pessoas com menos de 18 anos avançaram muito nessas mais de três décadas e garantiram conquistas como a redução da mortalidade infantil e a universalização do acesso à educação.
“A gente tem hoje uma série de compromissos, por exemplo, de alfabetização, educação de tempo integral, próprio financiamento de educação básica. Então, na saúde a gente tem a carteira da criança, o processo, a vacinação, enfim, na assistência a gente tem o Bolsa Família, o BPC. Então, a tem várias políticas estruturantes que respondem aos desafios do ECA.”
Desafios para o pleno cumprimento
Mas, se a ECA nos equiparada a países de primeiro mundo em termos de legislação, na realidade ainda há muito a se percorrer para que ele seja totalmente cumprido. E autoridades e especialistas da área apontam o combate à violência como um dos maiores desafios. Dados levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Unicef, junto às secretarias estaduais de segurança pública, mostram que Brasil tem a marca de um caso de estupro praticado contra crianças e adolescentes a cada 8 minutos. Em 2023, foram mais de 63 mil e 400 casos, tendo as meninas como vítimas em 87% das ocorrências. Em mais da metade dos casos a vítima era negra.
Pilar Lacerda, secretária nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, considera que esse cenário de violência é resultado da mentalidade machista e patriarcal que prevalece na sociedade, e também reflexo da período em que a escravidão vigorava no Brasil.
"Bom, primeiro passo é que a gente está numa sociedade patriarcal e machista, que foi escravocrata, quando mulheres negras eram traficadas como coisas. Historicamente são menos de 150 anos. É muito pouco tempo. A mentalidade está aí. E essa é uma luta. Lutar contra o machismo estrutural que normaliza isso. Ou que, às vezes, pessoa fala, ah, mas e a roupa que ela estava vestindo? A gente sempre joga pra ela. Ela se torna vítima duas, tr~es vezes. Então, a gente tem que agir na raiz, que é fazendo aí a educação de meninos, uma educação menos machista, uma educação que discuta essas posições. É preciso discutir muito a legislação que já existe e que, por exemplo, a menina vítima de estupro que engravida, ela tem legalmente o direito de fazer o aborto. São leis que vêm da década de 40. Não tem nada novo.”
Violência letal
Os homicídios também são outro problema grave. O mesmo levantamento feito pelo FBSP e Unicef revela que, de 2020 a 2023, mais de 15 mil pessoas com menos de 18 anos foram assassinadas no Brasil. Em todas as faixas etárias, novamente a maioria das vítimas era negra. E, dos 15 aos 18 anos, os adolescentes do sexo masculino são os mais atingidos, representando 92,4%. Um dado chama a atenção e preocupa: o crescimento das mortes provocadas por ações policiais, que chegaram a 2.427 nos três anos, representando 16% do total.
Na avaliação de Pilar Lacerda, resolver o problema passa por uma reforma no sistema de segurança.
“Manter a juventude viva hoje significa fazer um debate com o sistema de segurança pública. O Ministério da Justiça e Segurança Pública tem feito isso, porque a gente tem que mostrar que o racismo estrutural, isso que eu falava da escravidão que acabou há pouco tempo, esse racismo e esse preconceito estão impregnados mesmo quando o policial é negro. Ele também é pobre, mas ele recebe uma formação que o leva a desconfiar, a tornar suspeito e isso a gente tem que trabalhar na formação dessa política de segurança. O Ministério da Justiça tem um programa que chama Crescer em Paz, que articula essas forças para a defesa da vida dessa geração. Porque é um genocídio.”
Podcast Ajudante Digital
Esta semana a Radioagência Nacional veicula material especial sobre os 35 anos do ECA, incluindo três episódios do podcast Ajudante Digital, abordando a proteção de crianças e adolescentes nos meios digitais. Não deixe de conferir.
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