Marina Silva lota principais palcos da Festa Literária de Paraty



Na noite desta sexta-feira (1°), a mesa O Lugar da Floresta deixou lotados os principais palcos da Flip. No Auditório da Matriz, a ministra foi recebida com longos aplausos pelo público em pé. No Auditório da Praça, onde houve transmissão ao vivo pelo telão, ela foi aplaudida diversas vezes durante sua participação.
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“O licenciamento ambiental é a principal vértebra da proteção ambiental no Brasil. Não consigo ver como a gente conseguirá alcançar as metas de redução de emissão de CO₂ se o licenciamento for mutilado e desfigurado, como está sendo no PL [do Licenciamento], na forma como foi aprovado no Congresso”, lamentou a ministra sobre o Projeto de Lei (PL) 2.159/21, que trata das regras do licenciamento ambiental e vem sendo chamado de PL da Devastação por ambientalistas.Enviado para sanção presidencial, o projeto de lei simplifica os trâmites processuais, com a criação de novos tipos de licenças ambientais, e a redução dos prazos de análise.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem até o próximo dia 8 para sancionar ou vetar o texto final que a Câmara dos Deputados aprovou no último dia 17.
“Não consigo imaginar como nós vamos zerar desmatamento em 2030. Já conseguimos bons resultados, reduzimos, nesses dois anos e meio, o desmatamento em 46% na Amazônia, 25% no Cerrado, 77% no Pantanal, e uma redução na média global no país de 32%. Não consigo ver como a gente vai conseguir continuar alcançando esses resultados se o PL for mantido nas condições em que foi aprovado”, explicou.
Um dos dispositivos do PL aprovado, alerta Marina, estabelece que cada município e cada estado poderá estabelecer os regramentos e as tipologias do licenciamento.
“Vocês acham que a natureza muda porque mudou a ideologia do prefeito ou porque aumentou a ambição dos investidores? As leis da natureza não mudam em função dos nossos interesses. E tecnicamente, cientificamente, não tem como fazer uma tipologia diferente.”
“O rio que é contaminado com metal pesado em Minas Gerais é o mesmo que vai ser contaminado no Espírito Santo”, exemplificou a ministra.
Para ela não bastam apenas vetos, é preciso que haja uma medida para substituir as mudanças na legislação. As possibilidades, segundo Marina, seriam uma medida provisória ou um projeto de lei.
A ministra defendeu que o desenvolvimento econômico do país pode acontecer sem a destruição dos biomas.
“Quando você mostra que o desmatamento caiu 46%, o agronegócio cresceu 15%, a renda per capita aumentou 11% e o emprego aumentou para uma situação de quase pleno emprego, qual é a conclusão que você chega? Não precisa destruir para crescer e se desenvolver.”
Literatura
Questionada pela mediadora da mesa, a jornalista Aline Midlej, sobre a influência da literatura em sua trajetória e para a consciência ambiental coletiva, Marina lembrou de sua avó: mulher analfabeta que tinha inteligência privilegiada, contou a ministra.
“Meu pai sabia ler, fez até o terceiro ano [primário] antes de ir para o Acre como soldado da borracha. Ele lia um folheto de literatura de cordel duas vezes e minha avó decorava. Ela sabia um monte de coisa decorada.”
“E ela cantava para mim:
'Marina era uma moça muito rica e educada,
o seu pai era um barão de uma família abastada,
porém ela amava Alonso que não possuía nada.' Eu me sentia a própria Marina, sabe? A literatura de cordel trouxe para mim um mundo lúdico e me foi de grande estímulo. Eu sempre brinco, eu fui analfabeta até os 16 anos, mas eu era PhD em saber narrativo”, disse a ministra.
Ela revelou ainda uma das histórias da literatura de cordel que fez parte desse incentivo, o duelo entre dois cantadores: um letrado da cidade e um sertanejo da Caatinga. São ele Romano e Inácio da Catingueira. O sertanejo começa ganhando o duelo, mas em determinado momento seu oponente muda o mote da cantoria.
“Quando vê que vai perder, Romano muda para falar do campo da ciência. [Inácio] diz ‘se desse o nó em martelo, me veria desatá-lo, mas como deu em ciência, cante só que eu me calo’. E baixava a cabeça e perdia o duelo e o sertão todo ficava muito indignado porque tinha havido uma trapaça. E eu chorava e, se vocês perceberam, eu ainda me emociono até hoje porque o Inácio perdeu”, contou.
“E aí eu dizia: vovó, por que que ele perdeu? E ela dizia: minha filha, era porque ele é analfabeto. E eu dizia: eu não quero ser analfabeta”, finalizou com a voz embargada.
Momento distópico
Segundo a ministra, a política vive atualmente um momento distópico no país.
“Infelizmente, como diz [Zygmunt] Bauman, a política vem sendo tragada pelo sistema e como ele mesmo diz, se a política for apenas para juntar pessoas, para fazer mais do mesmo – são palavras dele –, para que serve a política?”
“A política não é para juntar pessoas para fazer mais do mesmo, porque senão vira mera repetição. É claro que as coisas precisam se estabilizar. O novo não se cria em cima do novo. A biologia ensina que para que alguma coisa aconteça é preciso preservar algo. Mas tem momentos em que é preciso que tenha quebra de paradigmas”, avaliou.
COP 30
Para a ministra, o multilateralismo tem que ser fortalecido durante a COP 30, além de um esforço para que as decisões pactuadas tenham credibilidade.
“Por outro lado, a COP 30 não tem outra alternativa a não ser, como diz o embaixador Correa do Lago, fazer um grande mutirão. Um mutirão de 196 países que, por consenso, tem que decidir que a partir de agora não tem mais o que protelar.”
“A COP 30 acontece em um contexto geopolítico altamente desafiador, como todos nós estamos observando, em que a maior potência bélica e econômica do planeta [Estados Unidos] sai do Acordo de Paris e decide não só apoiar guerras bélicas, mas também faz guerras tarifárias”, disse. Ela avalia que esses elementos fazem com que esse contexto seja ainda mais difícil.
A ministra destacou que os setores público e privado precisam fazer investimentos que viabilizem a implementação das medidas já compactuadas entre os países para barrar o aumento global da temperatura. O valor de US$ 1,3 trilhão é o valor que os países chamados desenvolvidos precisam garantir aos países considerados em desenvolvimento para ações de combate às emergências climáticas.
“Pasmem, a gente não consegue US$ 1,3 trilhão, mas o mundo continua investindo direta e indiretamente em atividades fósseis, entre 5 a 7 trilhões de dólares em atividades que são carbono-intensivas. É uma luta muito desigual”, disse.
A ministra defende uma transição justa e planejada. “Não é fácil, não é mágica, por isso temos defendido que é preciso que a COP 30 possa sair com um grupo mandatado para fazer o mapa do caminho para o fim de combustível fóssil, de desmatamento e de viabilizar US$ 1,3 trilhão para ajudar os países em desenvolvimento a fazerem suas transições.”
“Quando a gente não se prepara para mudar, a gente é mudado. E nós já estamos sendo mudados pela emergência climática. O que aconteceu nos Rio Grande do Sul está nos mudando. O que acontece quando o rio seca na Amazônia, está nos mudando. Quando o Pantanal pega fogo, está nos mudando. Quando, por ano, morrem 500 mil pessoas só por ondas de calor, está nos mudando. Temos que planejar a mudança antes de sermos abruptamente mudados”, concluiu Marina.
*A repórter e a fotógrafa viajaram a convite da Motiva, patrocinador e parceiro oficial de mobilidade da Flip 2025.
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