Sem glúten e sem preconceito, convivendo com a doença celíaca

Apesar de ser popularmente conhecida como uma forma de alergia, a doença celíaca é uma condição autoimune com predisposição genética cujo único tratamento é uma dieta sem glúten, um composto de proteínas presentes no trigo, na cevada e no centeio.
Algumas das primeiras informações sobre a doença remontam à Holanda da Segunda Guerra Mundial, quando o pediatra Willem Karel Dicke notou uma queda de mortalidade em crianças submetidas a uma dieta sem pão ou farinha. A escassez do trigo fez com que menos crianças apresentassem quadros de perda de peso, distenção abdominal e diarreia, que hoje são identificados como sintomas da condição.
As pessoas que vivem com a doença celíaca têm dificuldade de absorver vitaminas e nutrientes em virtude de lesões intestinais. Por isso, uma alimentação totalmente sem glúten é a melhor chance para garantir a qualidade de vida.
A pediatra Fernanda Niskier, dona do perfil @glutenfreeporai e diagnosticada com a doença já na idade adulta, conta que a alimentação fora de casa é um desafio para os celíacos:
"Os estabelecimentos não estão preparados. Você tem que garantir que o prato não contenha nenhum alimento com glúten e também que ele tenha sido preparado com os devidos cuidados para não se misturar com glúten dentro da cozinha. O ideal, o mais seguro, seriam estabelecimentos que são 100% sem glúten. Não existindo isso, os restaurantes precisariam ter protocolos de segurança."
Os alimentos para pessoas com doença celíaca devem ser preparados com utensílios exclusivos e alta atenção com a higiene do espaço. Nem mesmo o óleo para fritura pode ser compartilhado, sob risco de contaminação.
Ouça o episódio desta semana do VideBula e conheça outras curiosidades sobre o dia a dia de quem vive com essa condição de saúde.
O podcast vai ao ar todas as terças-feiras, no site da Radioagência Nacional e com acessibilidade em Libras no YouTube.
Quer saber mais, tirar dúvidas ou sugerir temas para os próximos episódios? Entre em contato pelo email videbula@ebc.com.br ou deixe seu comentário no canal do VideBula no Spotify.
Você pode conferir, no menu abaixo, a transcrição do episódio, a tradução em Libras e ouvir o podcast no Spotify, além de checar toda a equipe que fez esse conteúdo chegar até você.
VideBula – Episódio 22: Doença Celíaca
🎵 [ABERTURA – vinheta do VideBula]
Pati: Oi! Eu sou Patrícia Serrão.
Raíssa: E eu sou a Raíssa Saraiva. Você está ouvindo o VideBula, o podcast que explica o que dizem as bulas — e os direitos sobre saúde — de um jeito que dá pra entender!
Pati: No episódio de hoje, a gente vai falar sobre a doença celíaca, uma condição autoimune que exige mudanças na alimentação.
Raíssa: A descoberta da doença celíaca tem uma história curiosa que começou durante a Segunda Guerra Mundial, na Holanda.
Pati: No fim da guerra, no chamado Inverno da Fome, faltava quase tudo, inclusive pão, feito com farinha de trigo.
Raíssa: O pediatra Willem-Karel Dicke cuidava de crianças muito doentes com sintomas que hoje sabemos ser de doença celíaca. Ele percebeu que, quando o trigo sumiu da dieta, as crianças melhoraram muito.
Pati: Mas quando o trigo voltou, os sintomas também voltaram. Foi aí que descobriram que o problema era o glúten — uma proteína do trigo, cevada e centeio.
Raíssa: E essa descoberta mudou tudo: a única forma de tratar a doença celíaca é cortando o glúten da alimentação.
Pati: Hoje, graças a exames melhores e dietas acessíveis, milhões de pessoas vivem bem com a doença celíaca.
Raíssa: Para explicar melhor o que é essa doença, como é feito o diagnóstico e como é viver com ela, convidamos a pediatra Fernanda Niskier, que foi diagnosticada na vida adulta e hoje compartilha receitas e dicas no Instagram, no perfil @glutenfreeporai.
🎵 [TRILHA DE FUNDO – leve e constante]
Pati: Fernanda, quando foi que você descobriu que não podia comer glúten? E como foi lidar com esse diagnóstico sendo médica, especialmente pediatra?
Fernanda: Eu descobri que tinha doença celíaca em 2018, com mais ou menos 42 anos. Eu já tinha sintomas há muito tempo e eu acho que justamente por eu ser pediatra eu acabava atribuindo esses sintomas a outras causas; então, que eu pegava a diarreia dos meus pacientes, até que eu comecei a ter um quadro mais prolongado, eu procurei um médico e descobri que tinha doença celíaca. Foi bem difícil no início porque a sua vida muda completamente. A alimentação é uma parte muito grande no nosso dia e foi difícil por isso. A doença celíaca não tem tratamento medicamentoso, o único tratamento que ela tem é com dieta sem glúten.
Raíssa: E foi isso que te motivou a compartilhar receitas e experiências nas redes sociais?
Fernanda: Quando eu fiz o diagnóstico, fiquei um pouco perdida. Em que lugares ir? Eu sempre gostei muito de cozinhar, então como voltar a fazer bolos e pães? E no Instagram seria um lugar para procurar pessoas que fizessem receitas sem glúten. E aí eu criei esse perfil e acabei começando a postar minhas receitas.
Pati: Como a doença celíaca costuma se manifestar? A pessoa nasce com a doença? Ou pode desenvolver ao longo da vida?
Fernanda: A doença celíaca ela é uma doença autoimune, ela não é uma alergia, é uma doença autoimune. Ela só acontece em pessoas que têm a predisposição genética. Então, a pessoa tem um gene, certos genes, são dois genes principais, que chamam HLA-DQ2 e HLA-DQ8, que grande parte da população tem, mas só uma pequena parcela dessas pessoas desenvolvem doença celíaca. Hoje em dia você sabe que tem vários quadros, vários casos, que a apresentação é um pouco menos dramática, por assim dizer, e que passam anos com sintomas mais leves ou quadros que se abrem na vida adulta, que foi o meu caso. E aí esses outros sintomas de doença celíaca são desde anemia por falta de ferro, baixa estatura — sempre que uma criança tá investigando baixa estatura você tem que descartar doença celíaca — fadiga excessiva, alguns sintomas neurológicos, muita enxaqueca. Então os sintomas podem ser variados, mas o quadro clássico é de uma criança com perda de peso, diarréia e distensão abdominal.
Raíssa: E no caso de um adulto que esteja com sintomas, que tipo de médico essa pessoa deve procurar?
Fernanda: Em adultos, o quadro mais clássico é a anemia ferropriva, anemia por falta de ferro, digamos assim, é um quadro que é obrigatório investigar doença celíaca. As outras coisas que podem acontecer são diarreia, fadiga, perda de peso, porque é um quadro que causa desabsorção intestinal. Então, a pessoa tem lesões no seu intestino e com isso não absorve bem os nutrientes e os sintomas vêm decorrentes disso. Enxaqueca não é um quadro clínico comum de doença celíaca, mas pode ser também causado por isso. Eu, por exemplo, tinha uma neuropatia periférica, eu tinha uma dormência nos pés que era causada provavelmente pela deficiência da vitamina B12 que não estava sendo bem absorvida no meu intestino. Você pode procurar um clínico ou um gastroenterologista.
Pati: Que conselho você daria para quem acabou de receber o diagnóstico, seja para si ou para um filho?
Fernanda: O primeiro conselho que eu dou é aderir à dieta sem glúten. É uma dieta que é muito difícil de fazer, mas que realmente faz a doença entrar em remissão e dá resultado. E o segundo conselho que eu dou é procurar apoio de amigos e de profissionais, porque é uma dieta que impacta muito na qualidade de vida da pessoa. Existem alguns trabalhos publicados que comparam a qualidade de vida de doença celíaca com a qualidade de vida de pessoas com insuficiência renal em diálise. Embora as pessoas se sintam saudáveis, a qualidade de vida delas é ruim porque a dieta sem glúten impacta muito o dia a dia.
Raíssa: Fernanda como é pra você comer fora de casa?
Fernanda: Comer fora de casa é muito difícil porque os estabelecimentos não estão preparados. A pessoa com doença celíaca não pode comer nenhum farelo de pão, ela não pode comer nenhuma quantidade de glúten. O ideal, o mais seguro, seriam estabelecimentos que são 100% sem glúten. Não existindo isso, os restaurantes precisariam ter protocolos de segurança. E aqui no nosso país, especialmente na minha cidade, no Rio de Janeiro, isso não existe. A minha sensação é que, além de não existir preparo dos estabelecimentos para isso, não existe também tanta vontade, existe medo, existe uma cultura de medo de que não seja possível atender uma pessoa com doença celíaca. Isso não é assim em todos os lugares. Tem alguns países que é comum você ter restaurantes comuns que atendem todas as pessoas, que sabem atender a pessoa com doença celíaca com segurança. Então, pra comer na rua, você tem que garantir que o prato não tenha, não contenha nenhum alimento com glúten e também que ele tenha sido preparado com os devidos cuidados para não se misturar com glúten dentro da cozinha. Então, as pessoas têm que estar com as mãos limpas, não limpas e higienizadas normalmente, mas limpas de não ter preparado nada com farinha ou com glúten. Enquanto está preparando o alimento da pessoa com doença celíaca, esse alimento tem que não ser frito no mesmo óleo, a frigideira tem que estar limpa, os utensílios têm que ser exclusivos.
Pati: Fernanda, muita gente confunde doença celíaca com intolerância ao glúten ou alergia. Você pode explicar a diferença?
Fernanda: Existem três principais desordens relacionadas ao glúten. Uma é a alergia ao trigo ou ao glúten, que é a proteína do trigo, que é aquela coisa clássica, como quem tem alergia a camarão, alergia a amendoim. A outra é a doença celíaca, que é uma doença autoimune que faz lesões intestinais que causam desabsorção dos nutrientes. E a terceira coisa é a intolerância ao glúten não-celíaca, que é uma doença que a pessoa quando consome glúten, ela tem muitos sintomas, na maioria das vezes, gastrointestinais, mas ela não tem lesões intestinais, então ela não tem os problemas de saúde decorrentes da desabsorção dos alimentos. Seria mais semelhante à intolerância à lactose, por exemplo. E muitas vezes isso é transitório. Vai ficar um tempo sem conseguir comer glúten e depois de um tempo pode voltar a reintroduzir.
Raíssa: E como é feito o diagnóstico? Muita gente tira o glúten da dieta por conta própria e depois não consegue investigar.
Fernanda: O diagnóstico da doença celíaca ele é feito por exame de sangue e endoscopia digestiva com biópsias do intestino. O exame de sangue, ele testa os anticorpos contra a doença celíaca. Então, se uma pessoa acha que ela tem problemas quando ela come glúten, ela não deveria tirar o glúten da dieta antes de fazer o diagnóstico correto.
Pati: E tem alguma orientação para prevenir o aparecimento da doença em quem tem predisposição?
Fernanda: Os médicos devem pensar na doença celíaca com mais frequência, porque a maioria dos casos não tem essa apresentação clássica que a gente conhecia antigamente das crianças desnutridas. Ela é uma doença que tem muitos mais sintomas mais leves que podem passar despercebidos e ser atribuídos a outras causas. E sobre fatores de risco é o seguinte: a pessoa para ter doença celíaca, ela precisa ter esses HLA, essas alterações genéticas. E aí se pesquisa muito o que levaria algumas pessoas a desenvolver doença celíaca e outras não. Hoje se acredita que a microbiota intestinal tem a ver, então é que a amamentação pode proteger, por promover um microbioma melhor intestinal, o pouco uso de antibiótico pode proteger também. A ciência hoje diz que tem 14 riscos para doença celíaca. Pode introduzir o glúten na dieta no momento oportuno da introdução alimentar, mas em quantidades limitadas. E como a gente não sabe quem tem o HLA, você só vai saber o fator de risco se a pessoa tiver um familiar acometido, eu acho que é uma dica válida para todos que na introdução alimentar a dieta não seja rica em glúten, ou seja, que a criança não coma pão no café da manhã, no almoço e no jantar. Claro que ela pode comer macarrão, outras coisas com farinhas, mas não precisa ser a base da alimentação nos dois primeiros anos de vida.
🎵 [ENCERRAMENTO]
Pati: E se você que está ouvindo tem dúvidas ou sugestões, manda um e-mail para videbula@ebc.com.br! A gente adora ouvir vocês!
Raíssa: O VideBula é uma produção original da Radioagência Nacional, um serviço público de mídia da EBC, a Empresa Brasil de Comunicação.
Pati: O podcast é idealizado e apresentado por mim, Patrícia Serrão, e por Raíssa Saraiva. A edição é de Bia Arcoverde.
Raíssa: Na operação em Brasília, Josemar França.
Pati: E no Rio, Márcio Freitas.
Raíssa: Você pode ouvir outros podcasts e séries da Radioagência Nacional no nosso site, nos tocadores de áudio e com interpretação em Libras no YouTube.
Pati: E se você gostou, mande para os seus amigos, publique nas suas redes e ajude para que a informação chegue a mais pessoas. E dá umas estrelinhas no seu tocador de áudio.
Raíssa: Para mais informações, VideBula! Até o próximo episódio!
🎵 [SOM DE ENCERRAMENTO – música animada]
Roteiro, entrevistas e apresentação | Patrícia Serrão e Raissa Saraiva |
Coordenação de processos e supervisão | Beatriz Arcoverde |
Identidade visual e design: | Caroline Ramos |
Interpretação em Libras: | Equipe EBC |
Implementação na Web: | Beatriz Arcoverde e Lincoln Araújo |
Sonoplastia | Toni Godoy |
Operação de Áudio | Josemar França (Brasília) e Márcio Freitas (RJ) |
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